Nosso Instituto foi fundado em 2008 como parte das celebrações do centenário de nascimento do escritor João Guimarães Rosa, nascido na cidade mineira de Cordisburgo em 1908 e morto na cidade do Rio de Janeiro em 1967. A iniciativa partiu do Professor Anelito de Oliveira como resultado de sua vasta experiência em empreendedorismo social, econômico, midiático, cultural e educacional, bem como de sua experiência de gestão pública e privada. O nome do Instituto foi apropriado criticamente do conto “Os irmãos dagobé” do livro Primeiras estórias, uma das coletâneas de narrativas curtas de Rosa, como homenagem ao autor. Configura-se como metáfora do dado estruturante da ONG: o enfrentamento das desigualdades sociais a partir de ações que visam a elevação do Índice de Desenvolvimento Humano.
CARTA DO SERTÃO
CARTA DO SERTÃO
Eis que chega mais um setembro. E a boa nova que anda no campo, para recordar uma voz do sertão, é a Terceira Feira. Acontecerá do dia 11 a 15 deste mês em Diamantina, que nos significa por vários prismas. Territorial, cultural, étnico, econômico, político. Prismas através dos quais acessamos muito, para não dizer tudo, do que o povo geraizeiro é na macro-história brasileira.
Os dados constitutivos da nossa identidade dispõem-se por quaisquer cantos do antigo Arraial do Tijuco. Identidade, claro, é diferença – o que nos diferencia é o que nos identifica fundamentalmente. Então, o que nos identifica é fundamentalmente o sentimento do diverso. Vemo-nos “diversais”, como diz Nêgo Bispo, em Diamantina, e isso só se explica à luz do processo histórico geral, brasileiro, e específico, sertanejo.
Esse processo, caracterizado pela barbárie escravagista, não foi capaz de aniquilar a ancestralidade africana. Pelo contrário, acabou deixando margens extraordinárias para a atualização constante dessa ancestralidade. Ao contrário do que se percebe em outras grandes aglomerações urbanas do sertão formalmente mineiro – Montes Claros, Janaúba, Curvelo. O tempo não parou na cidade de Chica da Silva, mas também não passou numericamente.
Assim, nenhum lugar poderia ser mais propício, na nossa área imediata de atuação, que Diamantina para sediar permanentemente a Terceira Feira. E esta não é uma convicção de agora, mas uma certeza que nasce com a fundação do nosso Instituto em 2008.
Ali definimos dez grandes eventos capazes de impactar significativamente a economia da cultura nas Gerais e contribuir para a elevação do Índice de Desenvolvimento Humano na região. Somados, esses dez eventos compõem o eixo cultural do Projeto Sociocultural Dagobé (PSD), megaprojeto que demandou a criação de uma entidade que pudesse trabalhar pela sua implementação.
Compreendemos, há 16 anos, que um desafio da Terceira Feira era não ser apenas mais um evento literário, artístico. Não queríamos repetir modelos já consagrados nos grandes centros, levando para o interior do país os autores mais vendidos dos últimos dias, celebridades etc. Também não gostaríamos de fazer uma feira literária diferente das hegemônicas apenas para contrariar, insultar celebridades.
Nem uma coisa nem outra, nada de polarização, mas uma terceira – margem, dimensão, feira! Um evento que tivesse como referência não o incomum, mas o comum, não a unidade, mas a multiplicidade, não a igualdade, mas a diversidade. Que partisse, para tanto, do sentido primordial de cultura em latim: colo, ocupação, da terra, do lugar, do território.
Só quem ocupa sabe o que ocupa, como ocupa e por que ocupa, afinal. Terceira Feira propõe uma ocupação de Diamantina como margem jequitinhonhense do mundo. Margem que, a exemplo de outras no hemisfério sul, é historicamente sacrificada pelos grandes centros capitalistas do hemisfério norte e suas agências na América Latina, na Ásia e na África.
Todo o “modelo lógico” implicado em Terceira Feira, que se pode constatar na programação divulgada aqui e nas redes socias do nosso Instituto, é suficientemente claro. Evento-processo contínuo para dinamizar, a partir da cultura, cadeias produtivas dos Vales e do sertão como um todo. Fomentar, desse modo, produção e circulação de capitais diversos em educação, gastronomia, turismo, ciência, letras, artesanato, designers, tecnologia, urbanismo, artes, ambientalismo etc.
Acreditamos que só os marginalizados pelos grandes centros, abandonados à própria sorte, podem conceber, articular e praticar ações eficazes de enfrentamento de problemas sociais, políticos e econômicos que ameaçam atualmente a continuidade da própria vida na terra. Terceira Feira se propõe como espaço de “confluência dos diversais” em defesa da dignidade dos povos das margens, do estado democrático de direito e da sustentabilidade planetária.
Cinco dias de diálogos, reflexões, celebrações, compartilhamentos de saberes, manifestações diversas, exposição e lançamento de livros, enfim, prática de democracia. Isso é Terceira Feira: encontro de literaturas das margens do mundo, uma outra primavera no sertão, no Vale do Jequitinhonha, em Diamantina. Você é muito bem vindo ou bem vinda presencial e virtualmente.
Anelito de Oliveira
Presidente do Instituto de Desenvolvimento Humano Daghobé
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