CARTA DO SERTÃO 22-03
O Brasil caiu para a 12a posição no ranking das maiores economias mundiais no ano passado, deixando de ocupar lugar no Grupo dos Dez países mais ricos, onde estava na 9ª posição em 2019. A previsão é que caia para a 14ª posição este ano, distanciando-se cada vez mais de países como Estados Unidos, China, Japão, Alemanha e Reino Unido, que ocupam, nesta ordem, as cinco primeiras posições.
O lugar econômico do Brasil no concerto das nações assombra, sobretudo quem trabalha honestamente sem parar, quando confrontamos esses dois PIBs calculados em bilhões de dólares: 20.807,3 (EUA) e 1.420,6 (BR). Os dados, já amplamente divulgados, são da Austin Rating.
Todo esse desmoronamento do PIB brasileiro é atribuído à Pandemia provocada pela Covid 19 desde março do ano passado. Precisamente na noite de18 de março de 2020, a Câmara Federal, atendendo à solicitação da Chefia do Poder Executivo feita na manhã daquele dia, reconheceu o estado de calamidade pública no país.
Esse reconhecimento significou a concessão de ampla liberdade ao Governo Federal para o desenvolvimento de ações de combate à Pandemia, sem necessidade de atenção à lei que determina o limite de gastos. Desde então, toda a responsabilidade pelas consequências da Pandemia sobre o capital público, propriedade de todos nós, passou a ser do Governo.
Evidente que o cenário de ruínas que vai se desenhando cada vez mais só se explica à luz do princípio da escolha, básico, em Economia, tanto quanto difícil de se processar em situações de crise. O Governo escolheu exercer o poder que lhe foi conferido pelo Congresso Nacional de um modo que deveria ter resultado pelo menos na manutenção do país entre as dez economias maiores do planeta, ainda que na décima colocação.
Esse modo privilegiou e continua a privilegiar a saúde econômica em detrimento da saúde humana, da vida das pessoas. Ouvimos e vemos o tempo todo o Presidente da República manifestando sua preocupação em salvar a Economia, incorrendo numa polarização contraproducente: Economia versus Pandemia, riqueza versus doença.
Precisamos dialogar com essa situação, assim como com tantas outras, nos limites do respeito institucional, sem descambar para depreciações de caráter político-partidário que só levam a outros fins, considerando que o Governo atual do país representa milhões de pessoas que o elegeram, sim.
Logo, podemos argumentar que a polarização entre Economia e Pandemia é reveladora de um olhar muito superficial sobre ambas as coisas, que reduz Economia apenas a dinheiro e percebe a Pandemia como entrave à produção, circulação, consumo e acumulação de dinheiro.
Assim mesmo é que o Governo entendeu e continua a entender que a gestão da Pandemia significa gestão do dinheiro público e que a saúde da Economia seria inversamente proporcional aos gastos com doença: menos gastos, mais riqueza.
Ao Governo escapa, em primeiro lugar, a dimensão humanitária, o compromisso com a vida antes de qualquer coisa. Vida não tem preço, não é algo que se possa tratar como um produto.
Em segundo lugar, o Governo ignora grotescamente que o capital dinheiro que está sob sua gestão neste momento pertence aos cidadãos e cidadãs brasileirxs de todas as classes, gêneros, etnias, raças, idades, religiões, partidos, times etc, responsáveis, com o seu trabalho, pela produção desse capital.
Em terceiro lugar, escapa ao Governo uma distinção elementar entre o que vem a ser gasto e o que vem a ser investimento, entre o que simplesmente é consumido e aquilo que, numa cadeia produtiva, retornará em forma de novos produtos materiais e simbólicos, novos capitais, alimentando e repotencializando, ao mesmo tempo, a Economia de um país.
O Governo gastou muito, para os seus parâmetros meramente monetários, e gastou mal, à medida que não conseguiu salvar a Economia e, ainda levando em conta sua linha cognitiva absurda, perdeu e continua perdendo para a Pandemia. Uma das razões pelas quais a Pandemia continua “matando” a Economia – tudo isso dentro da racionalidade paupérrima do Governo – é a precariedade do isolamento social.
O êxito desse “remédio” depende do poder, não do querer, da maior parte da população de ficar em casa, um poder que depende de dinheiro. À medida que o Governo, preocupado muito mais com o empresariado, não garantiu investimento adequado, no tempo adequado, a milhões de pessoas, a Pandemia avançou e continua a avançar de maneira avassaladora. Afinal, essas pessoas, trabalhadoras, não tiveram saída para sobreviver senão ocupar ruas, praças e demais espaços de trabalho informal.
As pessoas em geral – pobres, favelados, sertanejos -, as várias dimensões do povo brasileiro, são potenciais vítimas de contágio e morte pela Covid-19, por um lado, mas são detentoras reais da tragédia em curso. Sem elas, máscaras e álcool gel não têm qualquer importância, claro; sem elas vivas, tanto faz vacina ou não – morto despensa vacina. E já são quase 300 mil pessoas mortas no país, quase 12 milhões de infectados e um número de quase 11 milhões de recuperados, exemplo de que o triunfo da vida é possível.
O auxílio de R$ 600,00, integral inicialmente e depois fracionado, não foi suficiente para dar ao povo trabalhador brasileiro o poder necessário, justo, de ficar em casa durante poucos meses ano passado. Isso deveria ter servido de exemplo, mas não serviu, para a ineficácia de um auxílio de R$ 200,00, a esmola por vir. A insistência num erro tão catastrófico é prova de uma monstruosa Economia política da morte que tem, lamentavelmente, muitos precedentes no Brasil e no mundo.
Resistamos distanciados, mas indignados, pregando e fazendo o bem diante de tanta maldade. Deus esteja!
Prof. Dr. Anelito de Oliveira
Presidente do Instituto de Desenvolvimento Humano Daghobé