CARTA DO SERTÃO 08-03

Durante muito tempo não teremos outro assunto aqui neste espaço que não seja a Pandemia em curso, que não esteja vinculado de algum modo à Pandemia. Não podemos desligar o sertão do mundo, desligar o que se passa no local do que se passa no global. Sempre o mestre das sabenças sertanejas Riobaldo: o sertão é o mundo. Neste tempo em que o mundo é assolado pela Pandemia provocada pela Covid 19, o sertão é o mundo pandêmico que precisamos enfrentar, não apenas abordar.

Nosso Instituto Daghobé tem trabalhado intensamente na perspectiva do enfrentamento das consequências do que a Pandemia tem causado, não apenas na abordagem dessas consequências. Tem trabalhado, por exemplo, no enfrentamento do estado de letargia generalizado que tem acometido as pessoas em razão do necessário isolamento social. Tem chamado essas pessoas à responsabilidade pública, estimulado essas pessoas a agirem em favor dos seus semelhantes, instigado essas pessoas a assumirem uma postura humanista diante da dizimação absurda de tantas vidas humanas.

A campanha pela doação de um percentual do Imposto de Renda neste ano é o gesto mais eloquente do nosso Instituto no sentido de tirar as pessoas do lugar comum, da passividade, posicionando-as na linha de frente de combate às desigualdades sociais que precedem a Pandemia e, como já é consensual, turbinam a Pandemia. Sem ações humanitárias não podemos administrar adequadamente a Pandemia, tampouco superar a Pandemia com a preservação do máximo de sujeitos sociais vivos e saudáveis. Tudo isso está absurdamente claro.

Talvez você esteja pensando a esta altura desta reflexão em algo que precisa ser dito aqui com todas as letras: há setores governamentais e empresariais a serviço da morte. E isso não é nada novo. Enganam-se aqueles que acham que a decisão do Soberano (que não é uma instância clarividente, que se possa discernir à primeira vista) sobre quem deve morrer é algo que nasceu nos últimos anos com o conceito de “necropolitca” do filósofo camaronês Achille Mbembe, que a realidade é fruto da teoria. Na verdade, a teoria é que sempre se revela atrasada, retardada, em relação à vida social, que é sempre um objeto dinâmico, um corpo convulso. O Soberano é o coveiro de pobres ao longo de toda a história, a “máquina de moer gente”, na frase lapidar de Darcy Ribeiro.

A Pandemia não teria produzido toda a devastação humana no mundo se o Soberano, o Estado administrado segundo interesses de elites desumanas, tivesse compromisso real com vidas humanas. Especialmente, se tivesse compromisso com vidas pobres, negras e índias. O remédio preventivo contra o vírus, que governos por toda parte de todos os espectros ideológicos sempre se negaram e se negam a disponibilizar, é alimentação orgânica, moradia de qualidade, educação de qualidade, direito ao emprego, saúde pública, direitos sociais fundamentais para uma vida saudável. Governos, com raras exceções, ofertaram e continuam a ofertar veneno, de agrotóxico a privação de saneamento básico, de precarização da educação a desemprego, todo um composto maligno que corrói a vida social.

O momento é o menos propício para perdermos tempo com questões que sabemos que se explicam à luz de uma lógica de Economia política da morte: estão lucrando com a morte de pessoas simples, trabalhadoras, do nosso sertão, do vasto interior do Brasil, e de tantos outros sertões. Quanto mais tempo durar a Pandemia, quanto mais pobre morrer, melhor. Só isso explica a lentidão no processo  de vacina precedida, como sabemos,  pelo atraso injustificável na compra de imunizantes. Já disse aqui neste espaço e agora repito com mais veemência: a Pandemia é um haver, um capital, um ativo na Economia política da morte de pobres, uma realidade monstruosa que, paradoxalmente, tem seu sentido positivo para elites sanguinárias.

Não nos enganemos. Só nos resta a solidariedade entre nós e, especialmente, com aqueles e aquelas mais vulneráveis à Covid 19. A letargia em face desse quadro, o isolamento sedentário de tantos e tantas que dispõem de poder aquisitivo para ajudar, só contribui para que a Pandemia continue, que pessoas pobres, sem saída para comer a não ser correr atrás de afazeres pelas ruas, continuem se contagiando e transmitindo o vírus. Numa simples entrega da pizza que você pede do conforto do seu sofá, você mesmo pode ser contaminado e chegar à morte.

Pense! Não pense apenas. Aja! Atenda ao chamamento do Instituto Daghobé: doe um percentual do seu Imposto de Renda para ações humanitárias de assistência às famílias hiperfragilizadas pela Pandemia no sertão. Faça contato:  institutodaghobe@gmail.com, Assunto: Doação de Imposto de Renda. Deus esteja!

Prof. Dr. Anelito de Oliveira

Presidente do Instituto de Desenvolvimento Humano Daghobé

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